terça-feira, 27 de março de 2012

Discurso de oradora da turma - Direito 2007-2011 - Faculdade Guarapuava



“Amanhã será preciso lutar ainda, mas hoje somos vencedores. É uma vitória, aconteça o que acontecer (...)” (Simone de Beauvoir).

Ilustríssimo Prof. Dr. Carlos Alberto Gomes, Diretor Geral da Faculdade Guarapuava e demais componentes da mesa;
Prezados professores;
Prezados funcionários;
Queridos colegas;
Estimados pais, demais familiares;
Senhoras e Senhores:     

            Quero, inicialmente, agradecer aos meus colegas por me escolherem para representá-los. É uma honra e um grande prazer. Não é uma tarefa fácil. Cinco anos não cabem em “algumas poucas” páginas. Mas, prometo fazer o melhor possível.
            Numa noite de verão, como esta, nós iniciamos uma longa jornada. E agora, fazemos memória de tudo o que passamos para chegar até este momento.
Quando nos encontramos pela primeira vez muitos de nós ainda eram adolescentes, recém saídos do Ensino Médio, cuja única preocupação era “a balada do fim de semana”, e um possível namorado/namorada, ou mesmo uma paquera inocente. Bons tempos, não?
            Outros, já tinham mais experiência. Muitos eram pais e mães de família, que trabalhavam todo o dia e precisaram abrir mão da convivência com seus cônjuges e filhos em busca de algo diferente e maior.
            Outros não eram pais, nem tinham constituído sua própria família, mas já trabalhavam e levavam uma vida muito mais focada na luta pelo sustento diário.
            O que pessoas tão diferentes poderiam ter em comum?
            Um sonho. O sonho de estar hoje aqui. O sonho de concluir um curso superior. E não um curso superior qualquer. Nós ousamos estudar Direito.
            Por isso, parabéns a todos nós! Nós sabemos que não foi nada fácil chegar até aqui. E digo, não foi nada fácil mesmo.
            Passamos por cerca de cento e quarenta avaliações (isso sem contar os exames); por meus cálculos superficiais, cinco mil páginas de livros; incontáveis artigos de leis; diversos fins de semana estudando; trabalhos acadêmicos que pareciam não ter fim (principalmente nas semanas de provas); horas e horas dedicadas ao Direito no Núcleo de Prática Jurídica ou nos nossos estágios extracurriculares.
            Apesar das dificuldades, trilhamos um caminho maravilhoso, com muitas conversas, brincadeiras e sorrisos.
            Nossos professores sofreram conosco. No início, com nosso descaso “para quê filosofia, sociologia, ciência política?” e depois, a dificuldade propriamente dita, com as teorias mais incompreensíveis do nosso Sistema Jurídico “É competência absoluta ou relativa?” ou “É herança ou meação?” ou “Quais os critérios do relaxamento da prisão?”.
            Entre cadernos de colegas e Códigos Comentados, descobrimos o significado da palavra amizade.
            Os dias de avaliação foram difíceis. Entrávamos na sala e estavam todos com um semblante sério, lendo, por uma última (ou pela primeira vez) as anotações, livros ou até (por via das dúvidas) a cola que nunca tínhamos coragem de usar.
            Também tivemos momentos excelentes. Momentos que deles poderíamos falar por horas e horas e ainda assim o tempo seria curto. O que dizer dos churrascos com cerveja, truco e tequila? O que dizer das quartas-feiras em que trocávamos as aulas por um jogo de futebol? O que dizer dos dias em que estendíamos as aulas na casa de um colega, com a desculpa esfarrapada de estudar? A verdade é que só queríamos tomar uma gelada, comer uma pizza ou um sanduíche, ou mesmo, só conversar com os amigos.
            E o que falar daquele banquinho? Aquele banquinho escutou nossos lamentos e risadas, assistiu nossas lágrimas e vitórias e compartilhou conosco Halls, cigarros e chocolates. Mas compartilhou, principalmente, a vida, com todas as nossas decepções e conquistas, tristezas e alegrias, abraços e sorrisos, silêncios e euforias. Aquele banquinho sem vida assistiu a nossa vida acontecer, assistiu tudo o que passamos para estarmos aqui, nesta data.
            Foram cinco anos que dedicamos quase que exclusivamente ao estudo do Direito. E para quê? Para continuarmos estudando Direito pelo resto de nossas vidas.
            Hoje celebramos o fim de uma etapa. É clichê, mas verdade: vencemos uma batalha, mas não a guerra.
            Podemos falar com propriedade diversos conceitos sobre o Direito e sua finalidade. Entretanto, de todos esses conceitos, prefiro um conceito que aprendemos em uma das primeiras aulas. O Direito é tão somente a busca pela Justiça.
            E o que é a Justiça? Isso sim é uma pergunta que envolve um debate maior que o próprio Direito. Tal conceito sofreu muitas evoluções passando por Aristóteles, pelos pensadores cristãos, Rousseau, Montesquieu, Hegel, Marx e tantos outros. De forma objetiva e resumida podemos afirmar que Justiça é respeito. Respeito à Soberania e à Cidadania de um povo, mas acima de tudo, repeito à Dignidade da Pessoa Humana. Através do respeito promovemos a Justiça.
            Liberté, Egalité, Fraternité. O que nos lembra esse lema? Foram várias aulas escutando esse lema, e acredito que por uma razão muito simples: o lema da Revolução Francesa traz o que os operadores do Direito devem defender. Somente a liberdade, a igualdade e a fraternidade levam os povos à Justiça.
            Isso não significa defender leis ou tudo o que está positivado. Em sua defesa num processo devidamente legal, mas ilegítimo, o advogado sul-africano Nelson Mandela afirmou “Eu não me considero nem legal nem moralmente obrigado a obedecer leis feitas por um Parlamento no qual não tenho nenhuma representação”. Hoje nós podemos utilizar esta frase toda vez que uma injustiça for feita em nome da Lei. Leis injustas não representam nossos anseios. Representam tão somente o interesse dos poderosos em manter um sistema que mata e oprime. Nosso desejo é um povo livre e soberano, que viva os princípios trazidos pela Revolução Francesa na sua plenitude, que é a Justiça. E se a Lei ou o que quer que seja não traz Justiça, então não merece a nossa defesa.
            Em um mundo em que 2/3 da população mundial passa fome, milhares estão presos sem o devido processo legítimo; negros, povos indígenas, homoafetivos, mulheres e crianças sofrem massacres pelo simples fato de não estarem dentro de um padrão ideal de sociedade e, ainda, milhares de seres humanos são tratados como escravos, lutar por Justiça não é tarefa das mais fáceis. Pelo contrário. Somente pessoas determinadas assumem essa tarefa.
            Queridos colegas, o caminho continuará difícil e teremos muitos tropeços pela frente. Mas, quando esses tropeços chegarem, lembremos das sábias palavras de outro brilhante homem, o advogado Mahatma Gandhi, que nos deixou que é preciso “buscar no interior de si mesmo a resposta e a força para encontrar a saída”.
            Cada um que está aqui possui uma força inimaginável para lutar pelos seus sonhos, para lutar por um mundo em que prevaleça a utopia de todos os homens: a liberdade e o amor. E o que eu desejo para cada um é que sempre encontrem essa força, mesmo nos momentos de maior desespero, em que a vontade maior é a de largar todos os sonhos e convicções e mudar radicalmente de vida.
            Será que vamos alcançar a Justiça? Eu não sei.
            O que eu sei é que ainda temos uma guerra pela frente e precisaremos lutar muito. Mas, queridos amigos, quando essas dificuldades aparecerem nos lembremos daquela noite de verão, em que tudo começou; lembremos desta noite de verão em que terminamos esta etapa; e, mais importante, lembremos de cada um e de cada uma que aqui está presente e que, assim, possamos superar os inúmeros desafios que teremos pela frente, na luta por Justiça.
            E como já mencionado no início, não importa o que aconteça, corações corajosos e determinados são sempre vencedores.
            Muito obrigada e muito sucesso para cada um de nós!

quarta-feira, 7 de março de 2012

Oito Minutos

            O sol está distante da Terra cerca de 150 milhões de quilômetros. Considerando que a luz viaja 300 mil Km/s, conclui-se que a luz solar demora cerca de 500 segundos para chegar até a Terra o que, convertendo em minutos, equivale a cerca de 8,3 minutos. Ou, arredondando pra baixo, 8 minutos.
            A luz que ilumina nosso caminho para o trabalho, que brilha em nossas janelas ao nos acordar e que é o principal combustível para a fotossíntese das plantas e pra nossa vida, é uma luz que viaja por 8 minutos pelo espaço sideral para chegar até nós.
            Se um dia o sol explodir (o que é pouco provável, mas não impossível), nós, meros mortais, ainda vamos aproveitar a luz solar por 8 minutos.
            O que faríamos nesses 8 minutos? Muitos se converteriam (“Eu avisei que o Juízo Final seria hoje” diriam vários “profetas” contemporâneos), outros se matariam de uma vez para poupar maiores sofrimentos, afinal, sem o sol, não temos a menor chance de sobreviver. Mas alguns tentariam prolongar os oito minutos da luz solar, através de estufas artificiais, fogueiras com todo o material disponível (muitos livros encontrariam alguma utilidade) e armazenariam todo o tipo de mantimentos, até que se chegasse ao fim toda a matéria prima do planeta.
            A vida se prolongaria por dias, semanas, talvez até meses, mas os 8 minutos chegariam ao fim. E todos morreriam.
            Certas coisas não se podem evitar. E isso não é algo que se aprende em casa ou na escola, só aprendemos isso ao nos depararmos em uma situação assim: querer continuar com algo que está chegando ao fim.
            Infelizmente, todos passam por uma situação como essa, em maior ou menor proporção. Todos tem um sol que, do nada, numa linda noite de verão, explode. O problema é que o calor e a luz do sol fazem tão bem que gostaríamos de prolongar ao máximo esses últimos minutos em que sentiríamos essa presença. Mas a própria natureza, ou a vida, ou o destino, ou um ser superior a tudo isso, nos impede que esses 8 minutos sejam eternos. E se há alguma verdade nesse mundo é isso: não há nada que se possa fazer para evitar.
            Quantas pessoas-sol, sonhos-sol, amores-sol, vidas-sol explodem na nossa vida e adoraríamos que os nossos últimos 8 minutos com eles fossem prolongados e eternizados?
            Todos falam que a morte é o mais triste da vida. Eu não consigo concordar com isso. O pior é o adeus, já que ninguém nos prepara pra ele. Enterrar um ente querido não é tão difícil quanto dizer “adeus, vou seguir agora sem você”. Seguir o caminho sem o que amamos é o mais complicado.
            O que deveríamos aprender é que, ao contrário da Terra, que não tem escolha, nós podemos ter novas estrelas pra nos guiar e ser nossa luz. Dar adeus ao sol das nossas vidas não significa apagar a lembrança, mas continuar, em busca de um novo sol.
            E isso, que não precisa de explicação científica, é o que precisamos para não morrer. Estrelas desaparecem, todavia, outras surgem; é só preciso procurar! Mas pra isso é preciso seguir, e não prolongar os 8 minutos.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Mamonas Assassinados

           

            Há exatamente 16 anos, uma garotinha chorou a morte precoce dos ídolos. Mas não foi só essa menininha. Milhares de crianças, adolescentes e jovens choraram a morte de um dos maiores fenômenos midiáticos que a música já viu: o quinteto de Guarulhos formado pelo guitarrista Bento, os irmãos Sérgio (baterista) e Samuel (baixista), o tecladista Júlio e claro, o peculiar vocalista, Dinho.
            Não é exagero afirmar que milhões de fãs choraram sua morte. Em alguns meses, os Mamonas Assassinas conquistaram o Brasil e teriam conquistado o mundo não fosse aquela trágica noite de 2 de março de 1996, onde, após agradecerem a Santos Dumont que “inventou o avião” foram vítimas de um acidente fatal com uma aeronave. Não houve sobreviventes. É uma dessas coisas que nem mesmo o tempo consegue explicar, muito menos a história.
            Até hoje, milhares de fãs se lembram com carinho desse grupo que conquistou a todos com sua jocosidade e diversão. É claro que a mídia foi fundamental para esse sucesso. Mas foi só publicidade? Será que eles teriam conquistado milhões de fãs em tão pouco tempo se tivesse sido um mero golpe de empresários?
            Os Mamonas Assassinas, a princípio, não era uma banda “divertida”. O nome do grupo era “Utopia”, a famosa palavra utilizada por idealistas da década de 1960 e 1970, e tinham forte influência do rock brasileiro da década de 1980, a maturidade do nosso rock, com protesto e poesia na medida certa.
            Mas o conjunto não vingou. Tiveram que inventar um outro jeito de dar certo. E o jeito foi esse: brincando no palco, fazendo anedotas, utilizando métodos considerados por alguns até “apelativos”.
            Mas os Mamonas falaram ao coração das crianças e das juventudes. Não eram só um produto da mídia, muito, mas muito mesmo de “Utopia” estava com eles. Já parou pra escutar as letras deles? Esqueça o lado jocoso e engraçado fortemente explorado. Em suas letras, ainda que de forma irônica e cética (o que não deixa de ser engraçado) eles falaram verdades. Só alguns trechos pra pensarmos. Em “Mundo Animal” eles cantam “O homem é corno e cruel, mata a baleia que não chifra e é fiel”. Alguém pode contestar essa verdade? Hoje, ao vermos a realidade do meio ambiente, não dá pra não pensar em como o ser humano destrói a vida da qual ele necessita, a vida que tem todas as qualidades que lhe falta.
            Outra canção que eu particularmente adoro é “Cabeça de Bagre II”. Numa época em que nos preparamos pra sediar uma Copa do Mundo, esse trecho vem bem a calhar “Fome, miséria, incompreensão, o Brasil é ‘treta’ campeão” (só lembrando que na época dessa canção o Brasil havia acabado de conquistar o tetra campeonato mundial de futebol nos EUA) e mais adiante “Na política o futuro de um país, cala a boca e tira o dedo do nariz” mostrando como o mundo contemporâneo é desacreditado no valor da política. O típico retrato de uma nação.
            “Robocop Gay” é o retrato perfeito da erotização da relação humana. Tanto faz se você é homo ou hetero, o importante é estar inserido em algum estereótipo sexual que o mundo pós-moderno criou.
            A divertida “1406”, um dos maiores clássicos “Pelados em Santos” e “Chopis Centis” tem em comum o forte apelo ao consumo, típico do mundo contemporâneo neo liberal. Em “1406” cantamos “Money que é good e nóis num have, se nóis hevasse nóis num tava aqui playando, mas nós precisa de workar”, onde, além de mostrar nosso lado mais consumista também mostra a triste influência norte americana, que destrói nosso idioma e nossa cultura, como um todo. Em “Pelados em Santos” os versos “Pro Paraguai ela não quis viajar (...) eu não sei o que faço pra essa mulher eu conquistar porque ela é linda (...)” também mostra a superficialidade em que se baseiam as relações humanas e “Chopis Centis” chega ao extremo do vazio humano no mundo contemporâneo com o refrão “Quanta gente, quanta alegria, a minha felicidade é um crediário nas Casas Bahia”.
            São só alguns pontos que quero mencionar, dá pra fazer um estudo muito mais detalhado dessas letras. No Ensino Médio (tipo, na Idade Média) fiz um trabalho bem completo sobre as canções deles, analisando o estilo, as influências contemporâneas (principalmente “sartreanas”) e as letras. Se entre meus inúmeros papéis (que nunca tenho coragem de mexer) eu encontrar, posto aqui.
            Enfim, escrevi tudo isso pra lembrar que não devemos assassinar os Mamonas. Eles foram mais que sua jocosidade, que sua brincadeira, que seu jeito alegre. Eles falaram ao coração das crianças e dos jovens. À sua maneira, expressaram o que todos nós sentimos diante desse mundo tão conturbado.
            Já basta a morte deles uma vez. Não vamos assassinar seu trabalho. Não vamos matar sua mensagem. Eles foram mais que um fenômeno midiático. Eles gritaram de um jeito diferente tudo o que nós queremos gritar e muitas vezes somos calados. Eles não são só os Mamonas. Eles são também Utopia. Distorcer a obra dos Mamonas é matar também a garotinha que chorou há 16 anos atrás, e as milhares de crianças e jovens que também choraram. Eles amam os Mamonas/Utopia e amam, acima de tudo, tudo o que eles produziram.