sexta-feira, 2 de março de 2012

Mamonas Assassinados

           

            Há exatamente 16 anos, uma garotinha chorou a morte precoce dos ídolos. Mas não foi só essa menininha. Milhares de crianças, adolescentes e jovens choraram a morte de um dos maiores fenômenos midiáticos que a música já viu: o quinteto de Guarulhos formado pelo guitarrista Bento, os irmãos Sérgio (baterista) e Samuel (baixista), o tecladista Júlio e claro, o peculiar vocalista, Dinho.
            Não é exagero afirmar que milhões de fãs choraram sua morte. Em alguns meses, os Mamonas Assassinas conquistaram o Brasil e teriam conquistado o mundo não fosse aquela trágica noite de 2 de março de 1996, onde, após agradecerem a Santos Dumont que “inventou o avião” foram vítimas de um acidente fatal com uma aeronave. Não houve sobreviventes. É uma dessas coisas que nem mesmo o tempo consegue explicar, muito menos a história.
            Até hoje, milhares de fãs se lembram com carinho desse grupo que conquistou a todos com sua jocosidade e diversão. É claro que a mídia foi fundamental para esse sucesso. Mas foi só publicidade? Será que eles teriam conquistado milhões de fãs em tão pouco tempo se tivesse sido um mero golpe de empresários?
            Os Mamonas Assassinas, a princípio, não era uma banda “divertida”. O nome do grupo era “Utopia”, a famosa palavra utilizada por idealistas da década de 1960 e 1970, e tinham forte influência do rock brasileiro da década de 1980, a maturidade do nosso rock, com protesto e poesia na medida certa.
            Mas o conjunto não vingou. Tiveram que inventar um outro jeito de dar certo. E o jeito foi esse: brincando no palco, fazendo anedotas, utilizando métodos considerados por alguns até “apelativos”.
            Mas os Mamonas falaram ao coração das crianças e das juventudes. Não eram só um produto da mídia, muito, mas muito mesmo de “Utopia” estava com eles. Já parou pra escutar as letras deles? Esqueça o lado jocoso e engraçado fortemente explorado. Em suas letras, ainda que de forma irônica e cética (o que não deixa de ser engraçado) eles falaram verdades. Só alguns trechos pra pensarmos. Em “Mundo Animal” eles cantam “O homem é corno e cruel, mata a baleia que não chifra e é fiel”. Alguém pode contestar essa verdade? Hoje, ao vermos a realidade do meio ambiente, não dá pra não pensar em como o ser humano destrói a vida da qual ele necessita, a vida que tem todas as qualidades que lhe falta.
            Outra canção que eu particularmente adoro é “Cabeça de Bagre II”. Numa época em que nos preparamos pra sediar uma Copa do Mundo, esse trecho vem bem a calhar “Fome, miséria, incompreensão, o Brasil é ‘treta’ campeão” (só lembrando que na época dessa canção o Brasil havia acabado de conquistar o tetra campeonato mundial de futebol nos EUA) e mais adiante “Na política o futuro de um país, cala a boca e tira o dedo do nariz” mostrando como o mundo contemporâneo é desacreditado no valor da política. O típico retrato de uma nação.
            “Robocop Gay” é o retrato perfeito da erotização da relação humana. Tanto faz se você é homo ou hetero, o importante é estar inserido em algum estereótipo sexual que o mundo pós-moderno criou.
            A divertida “1406”, um dos maiores clássicos “Pelados em Santos” e “Chopis Centis” tem em comum o forte apelo ao consumo, típico do mundo contemporâneo neo liberal. Em “1406” cantamos “Money que é good e nóis num have, se nóis hevasse nóis num tava aqui playando, mas nós precisa de workar”, onde, além de mostrar nosso lado mais consumista também mostra a triste influência norte americana, que destrói nosso idioma e nossa cultura, como um todo. Em “Pelados em Santos” os versos “Pro Paraguai ela não quis viajar (...) eu não sei o que faço pra essa mulher eu conquistar porque ela é linda (...)” também mostra a superficialidade em que se baseiam as relações humanas e “Chopis Centis” chega ao extremo do vazio humano no mundo contemporâneo com o refrão “Quanta gente, quanta alegria, a minha felicidade é um crediário nas Casas Bahia”.
            São só alguns pontos que quero mencionar, dá pra fazer um estudo muito mais detalhado dessas letras. No Ensino Médio (tipo, na Idade Média) fiz um trabalho bem completo sobre as canções deles, analisando o estilo, as influências contemporâneas (principalmente “sartreanas”) e as letras. Se entre meus inúmeros papéis (que nunca tenho coragem de mexer) eu encontrar, posto aqui.
            Enfim, escrevi tudo isso pra lembrar que não devemos assassinar os Mamonas. Eles foram mais que sua jocosidade, que sua brincadeira, que seu jeito alegre. Eles falaram ao coração das crianças e dos jovens. À sua maneira, expressaram o que todos nós sentimos diante desse mundo tão conturbado.
            Já basta a morte deles uma vez. Não vamos assassinar seu trabalho. Não vamos matar sua mensagem. Eles foram mais que um fenômeno midiático. Eles gritaram de um jeito diferente tudo o que nós queremos gritar e muitas vezes somos calados. Eles não são só os Mamonas. Eles são também Utopia. Distorcer a obra dos Mamonas é matar também a garotinha que chorou há 16 anos atrás, e as milhares de crianças e jovens que também choraram. Eles amam os Mamonas/Utopia e amam, acima de tudo, tudo o que eles produziram.

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