sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Diante do Presépio

        
           Diante do Presépio admirei as vaquinhas, os bois e ovelhas. Eles, mais que todos ali, precisaram ceder seu lugar para a criança que acabara de nascer. Seu gesto se chama doação, e demonstrou maior humanidade que a atitude dos que se recusaram a acolher o menino. Mostrou-nos ainda que qualquer ser vivo pode fazer algo de bom pelo próximo. Basta abrir o coração.
            Diante do Presépio admirei os anjos que cantavam “Glória a Deus no mais alto dos céus, e paz na terra aos homens por ele amados”. Seu canto, sua arte, anunciou a salvação que a humanidade por tanto tempo esperou. Diante dos anjos não posso deixar de pensar nos artistas (cantores, artistas circenses, atores, escritores, poetas e tantos outros) que com sua arte anunciam a realização de um sonho e transmitem uma mensagem de alegria e esperança para todos.
            Diante do Presépio admirei os pastores que foram correndo para Belém. Os pastores constituíam uma classe marginalizada e esquecida na região da Judeia. Ninguém se importava com eles. No entanto, foram os primeiros a compreender a mensagem de amor e paz presente naquela criança e assim, correram ao seu encontro para ver a salvação diante de seus olhos. Penso nos pastores de hoje: índios, ribeirinhos, negros, homoafetivos, praticantes de religiões não cristãs, portadores de HIV, drogados, ladrões, ex-presidiários, idosos, mendigos, marginalizados em geral, pobres e tantos outros. Me deparo percebendo que negamos direitos a todos eles. No entanto, o Ser que tanto adoramos quis primeiro se manifestar para eles. E fico com vergonha de não seguir os mandamentos do Mestre.
            Diante do Presépio admirei os três magos do oriente. Cada um com sua cultura, etnia, nacionalidade e coração aberto para conhecer a salvação. Os três se uniram e juntos chegaram até o Rei dos reis. Talvez, eles queiram nos dizer que só a partir da união de nossas diferenças é que chegaremos até a paz que tanto almejamos. Somente quando brancos e negros, índios e mestiços, cristãos e muçulmanos, judeus e budistas, heteros e homoafetivos, lobos e cordeiros se unirem, é que chegaremos até o Menino Deus, o Deus que tanto procuramos ao longo dos séculos.
            Diante do Presépio admirei a estrela guia, que foi a bússola para os magos no caminho até Belém. No entanto, senti um tanto de inveja. Através de sua luz, ela guiou a humanidade até o Menino, e depois assumiu sua posição de simples estrela, deixando a luz maior da criança brilhar. Quero muito aprender com seu gesto. Quero ser como a estrela que leva os homens para a paz, mas depois se recolhe ao seu lugar, e continua brilhando humilde, deixando que a verdadeira luz manifeste o seu brilho de paz.
            Diante do Presépio admirei a figura de José. Trabalhador, marido, pai. O homem que confiou na Palavra de um anjo e recebeu Maria por esposa. Homem silencioso, assistiu tudo quieto. Sim, diante de seus olhos se cumpriram as promessas de salvação. Em José eu penso em todos os pais que assumem seus filhos e acreditam que cada criança pode mudar a humanidade. Esses homens não são de falar muito. Mas seu silêncio é insignificante perto dos seus grandes gestos de amor. O maior bem que alguém pode fazer à humanidade é assumir a educação de uma criança e educá-la dentro dos princípios da justiça e do amor.
            Diante do Presépio admirei a figura de Maria. Jovem, mãe, mulher. Ela disse sim ao Anjo, ainda sabendo que uma lei excludente e preconceituosa poderia tirar-lhe a vida. Ela assumiu a missão de ser a mãe do Cristo e educá-lo para ser o portador da maior mensagem que o mundo assumiu. Olho a figura de Maria e penso em como “tudo guardava em seu coração”. Diante de Maria eu penso nas milhares de jovens que dizem sim a vida, assumem seus filhos e os educam da mesma forma que Maria fez com Jesus. Ser mãe e mulher numa sociedade marcada pelo machismo e a indiferença é uma missão divina, por isso, agradeço a Deus por todas as mães que são verdadeiramente mães e peço que Maria interceda a Deus para que todas as mulheres assumam a sua missão de amor de amor nesse mundo, seja como mãe, seja como portadora da mensagem de amor. Sim, em Maria, todas as mulheres são contempladas por Deus.
            E, por fim, admirei o Deus que se fez menino. A maior prova de amor que a História assistiu. A Divindade se faz Humanidade. O maior de todos os seres se torna o mais frágil, o mais dependente, o mais pobre de todos: uma criança recém-nascida. Contemplo o Menino e sua mensagem se torna clara: Deus veio para o meio dos pobres e abandonados para que nós sigamos o seu exemplo e estejamos ao lado dos pobres e abandonados. Sim, Deus é “Deus Conosco”, estamos na plenitude dos tempos.
            Diante do Presépio eu tenho a certeza que cada vez que, por amor, me coloco ao lado dos mais pobres e excluídos, Deus renasce em mim. E a angústia chega ao seu fim: diante do presépio, eu posso acreditar que a utopia, o outro mundo é possível.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

A Declaração Universal dos Direitos do Homem



           No último dia 10 a Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) comemorou 63 anos de existência. Apesar de não ser uma declaração perfeita (ocorreram muitas lacunas no texto, como a falta de destaque em relação às mulheres e a omissão quanto ao meio ambiente) é um dos documentos mais significativos produzidos pela humanidade.
            Composta por sete “considerando” (justificativas) e trinta artigos que resumem o mínimo de direitos para preservar a dignidade humana e que resumem o que melhor foi produzido no pensamento ocidental até o momento, a Declaração é um dos maiores marcos da história contemporânea.
            Os artigos tratam de liberdade e igualdade (principalmente artigos 1 a 5), o tratamento que a Justiça deve dar a cada pessoa (artigos 7 a 11), o respeito a vida privada do ser humano (artigos 12 e 13), direitos de nacionalidade e dos exilados/perseguidos políticos (artigos 14 e 15), proteção à família livremente constituída (o artigo 16 é claro ao afirmar que deve haver livre consentimento dos nubentes para que seja válido o casamento), direito de propriedade (artigo 17 – outro artigo em que há lacunas, deixando muito aberta sua interpretação), direitos a liberdades diversas (religião, pensamento, consciência, expressão, opinião e associação – artigos 18 a 20), direito à democracia (artigos 21 e 22), direitos inerentes ao trabalho (artigos 23 e 24), direitos a qualidade de vida (artigo 25), direito a educação e cultura (artigos 26 e 27), direito a proteção destes direitos (artigos 28 a 30).
            O artigo 6 é o resumo de todos os artigos, ao afirmar que todos os homens devem ser reconhecidos como PESSOA, perante a lei de todos os países.
            Em suma, a declaração significa muito na luta pela afirmação dos direitos humanos.
            A declaração não é um tratado com força vinculante em cada país signatário (infelizmente), mas somente uma sugestão do que deve ser feito para proporcionar a todas as pessoas um mínimo de condições dignas de vida. Num mundo marcado por guerras, perseguições, violências e miséria a declaração foi um grande avanço sim.
            O Brasil incorporou muito da declaração na sua Constituição. É possível visualizar a maior parte desses direitos na nossa Carta Magna. Se há cumprimento dessas normas aí é outra história muito diferente.
            Ainda vivemos num mundo em que existe escravidão e tortura. O acesso à Justiça é falho, e os mais pobres sofrem com penas severas e degradantes. Os palestinos e milhares de pessoas não tem Pátria. Ainda existem casamentos arranjados. Pessoas são perseguidas por sua religião, opinião e por lutarem pelo cumprimento da declaração. O sistema democrático dos Estados é falho, e as leis favorecem o autoritarismo. Pessoas ainda morrem em filas de hospitais por não terem um atendimento correto. Pior, crianças morrem de doenças facilmente vencíveis, como a desnutrição. Trabalhadores ainda lutam por melhores condições de trabalho e salários mais justos. Ainda existem analfabetos e educação formal de qualidade é para poucos.
            Sim, ainda precisamos avançar muito.
            A DUDH foi fruto de uma luta de séculos, que remota ao Antigo Testamento nos seus primórdios. Mas, será que teremos que esperar mais séculos para que finalmente seja cumprida na sua integralidade?

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

PELO FIM DA VIOLÊNCIA CONTRA OS JOVENS!

           

             O caso das três adolescentes e do jovem que espancaram e esfaquearam a adolescente Jéssica Borodiaki dos Santos, causando a sua morte, chocou a região de Guarapuava/PR. O que deixou a população mais perplexa foi o motivo fútil não totalmente esclarecido (até agora a história que prevalece na imprensa é que as adolescentes tinham ciúme da beleza de Jéssica).
            Como todos, também fiquei pasma com a história e também fiquei muito triste. Como defensora da Campanha Nacional da Pastoral da Juventude Contra a Violência e o Extermínio de Jovens fico muito chateada ao receber essas notícias. Penso na vida que foi perdida e famílias que foram destruídas com essa tragédia. E apesar de não ter convivido com Jéssica sua morte me causa muita tristeza.
            Conhecendo a Justiça Criminal de Guarapuava e a Justiça da Infância e Juventude (e conheço bem) tenho certeza que os Juízes, Promotores e técnicos responsáveis pelos caso, irão atuar da melhor maneira, e as medidas cabíveis serão aplicadas da melhor maneira possível. Tudo será feito conforme prevê a nossa Legislação.
            Mas será essa a justiça que buscamos? Será que é isso que vai resolver o problema de segurança que assola nossa sociedade e se reflete em nossas escolas?
            Não, o problema de Segurança Pública está longe de ser solucionado.
            Ainda que todos os envolvidos sejam punidos com as penas de reclusão e internação (no caso das adolescentes) mais brigas de colégio que resultam em morte continuarão acontecendo porque não combatemos a violência simbólica que permeia hoje nossa cidade, nosso país, nosso planeta.
            A violência simbólica é de difícil combate porque não conseguimos enxergar. Somos atingidos por ela todos os dias e não percebemos.
            Nesse caso, foi noticiado que a principal motivação para a briga foi a beleza de Jéssica. Certo, e por que jovens, que também são bonitas, se incomodariam tanto com a beleza de uma colega? Provavelmente alguém deve ter dito que Jéssica era mais bonita. E esse alguém com certeza está se baseando num padrão de beleza que nos foi imposto por uma sociedade comercial que determina o que é bom e mau, o feio e o bonito, o corajoso e o covarde.
            Isso preocupa muito. Jovens e adolescentes não estão tendo poder de escolha na sua identidade. Tudo já vem enlatado. Quem não se encaixa nesses padrões é excluído, e os excluídos vão tentar se encaixar de alguma forma. Ou aceitarão sofrer mais violência (como o caso das meninas que sofrem com anorexia e bulimia, que fazem de tudo pra se encaixarem no padrão “PP” social) ou irão eliminar tudo o que lhes mostra que não estão no padrão exigido por todos nós.
            E de quem é a culpa? Não dá pra culpar só as famílias, a escola, a polícia, a Justiça, o Estado como um todo. A culpa é de um sistema que prega o individualismo a qualquer custo. Um sistema que não permite se alegrar com a qualidade de ninguém e mais, não permite valorizar o diferente. Se não está no rótulo social, tchau.
            É ainda pior: coloca que se você não for o melhor em qualquer coisa, ninguém mais pode ser. O sistema individualista de não aceitação do diferente e essa cultura distorcida em que determinam quem você é (só esquecem de perguntar pra você mesmo quem você realmente é) está matando nossos jovens e adolescentes.
            Pois é. Mais meninas como Jéssica serão vítimas de violência, podendo inclusive, perder a vida; se continuarmos pregando essa cultura absurda em que não se aceita o outro, em que não se respeita o outro ser humano pelo simples fato de ser humano. E essa culpa é minha, é sua, é de todos nós.
            A educação para a paz, consistente principalmente no respeito à dignidade da pessoa humana, está nas nossas mãos. Não podemos nos calar diante de tanta violência e de tantas injustiças sociais. Precisamos mudar esse quadro e permitir que jovens como Jéssica e os outros jovens envolvidos levem uma vida saudável, de valorização de suas qualidades e respeito aos demais seres humanos.
            Basta! Chega de violência e extermínio de jovens!

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

UMA HISTÓRIA DE MOCINHOS E VILÕES

Todo mundo conhece alguma clássica história de Super Herói. Pode ser o Super Homem, o Batman, o o He Man, Os Cavaleiros do Zodíaco, os Thundercats, Power Rangers, As Tartarugas Ninjas, As Meninas Super Poderosas, o Chapolin Colorado (só pra zoar rsrsrs)... enfim, para ilustrar. São histórias de heróis. E todas, todas tem o mesmo perfil: era uma vez um problema causado por um terrível vilão, veio o herói, resolveu o problema, ganhou a admiração de todos, o beijo da mocinha e todos viveram felizes para sempre.

Essa história é própria do nosso mundo ocidental. Nós adoramos histórias maniqueístas. Ou você é o mocinho, o herói, que representa o bem e tudo o que há de melhor em nossa sociedade ou você é o vilão, o mal, que representa toda a escória, o que há de pior em cada povo.

Não posso deixar de pensar na Ocupação da Favela da Rocinha dessa forma. De um lado temos os traficantes, o traficante “Nem”, em especial, representando o lado podre, o aspecto mais negativo que temos em nossa sociedade. Nessa história maniqueísta, os traficantes são os vilões responsáveis por revender drogas e matar tantos jovens, ou em decorrência do vício ou em decorrência das dívidas geradas pelo tráfico. Sim, os traficantes são os que mantém um comércio que gera morte e todos os dias tornam nossa vida mais insegura.

Mas, do outro lado, temos o Estado exercendo seu poder de polícia através do BOPE, que é adorado por grande parte da população, graças, principalmente, aos filmes “Tropa de Elite” e “Tropa de Elite II” (E quem não gosta desses filmes? Fala sério! O Wagner Moura tá muito gato nessa história). O BOPE representa o que há de melhor no poder estatal. São policiais bem preparados e, com certeza, de todas as polícias, é a menos corrupta.

O duelo entre mocinhos e vilões encontra seu ápice: o BOPE chega na Rocinha, espanta os traficantes, prende o “Nem” e... todos vivem felizes para sempre!

Será? Tudo bem que eu gosto de algumas histórias clichês (algumas, um seleto grupo), mas essa, definitivamente, não colou.

O “Nem” foi preso, mas, será que não podem existir outros traficantes como ele? Tudo bem que o cara tinha um grande poder ali, mas, falando numa linguagem tipicamente capitalista, ele parecia um grande varejista, mas não passava disso. O atacado continua intacto, imexível. Ou seja, vão aparecer outros “Nem” por aí já que os grandes traficantes, os atacadistas desse comércio ilegal, estão por aí, numa boa.

Armas foram apreendidas. Que piada! Armas são os objetos mais fáceis de se comprar. E no tráfico, é mais fácil ainda. Aliás, essa apreensão talvez até movimente o comércio ilegal de armas. Possivelmente os traficantes podem trazer coisas novas e agitar o tráfico com novos produtos. Ora, novidades sempre fazem sucesso (pra quem não entende ironias, é bom avisar que essa foi uma. Ah, a ironia continua abaixo).

E o mais legal ainda dessa história é que a Mídia acompanhou toda a operação. Não, não há nenhum interesse em mostrar ao Mundo que o Rio de Janeiro, a cidade mais visada dessa década que iniciamos, é uma cidade segura, pronta para acolher turistas. Não há interesse algum em promover um governo estadual que já se mostrou com resquícios de Governo Fascista e, mais, não há interesse algum em promover um Estado Policial disfarçado de Estado de Segurança.

Nós estamos retrocedendo enquanto Estado Democrático de Direito e isso me deixa puta da cara. Se alguém resolve discordar dessa política policial de repressão e opressão é taxado de “defensor de bandido”, o que é típico do maniqueísmo maldito que vivemos.

Pois eu discordo. Segurança é sinônimo de assegurar, que por fim é sinônimo de garantir (não fui eu que inventei isso, está tudo no velho Aurélio). Mas, assegurar o quê? Assegurar todos os direitos sociais previstos na Constituição Federal (artigo 6º) que tá todo mundo careca de saber. Ou seja, segurança e políticas públicas para toda a população são sinônimos, ou deveriam ser.

Mas parece que o Estado não se lembra disso.

Para quem é fã do BOPE eu sinto informar que seus heróis não são tão heróis assim. Se um Estado como o nosso, em que se deve prevalecer os Direitos Humanos (pois é... é o que diz a Constituição no artigo 4º, inciso II) permite que sua Polícia viole direitos fundamentais de seus cidadãos para encontrar vilões, tem alguma coisa muito errada.

Será que é muito pedir pra se cumprir a droga do artigo 5º c/c artigo 6º da Constituição?

Para um Estado com cara de mocinho é. O problema é que o Estado só tem cara de mocinho. Ele faz esses “shows” e nós fingimos que acreditamos que o Estado se importa com a gente. Mas o problema não se resolve... jovens vão continuar morrendo pelo tráfico. E o Estado vai continuar esquecendo de cumprir políticas públicas e evitar que surjam vilões.

E eu escrevi tudo isso pra dizer que o Estado é o vilão dessa história. E que com sua omissão nos setores primários cria vilões ainda mais poderosos. E esses vilões estão agindo e tomando conta de todo o nosso país.

“E agora, quem poderá nos defender?” Boa pergunta. O Chapolin Colorado, o Super Homem, Os Cavaleiros do Zodíaco, As Tartarugas Ninjas não vão vir. Não temos heróis e mocinhos. Temos vilões e vítimas. E o fim, se continuar assim, não será com a admiração de todos, muito menos com o beijo da mocinha e menos ainda com o final feliz.

Sim, tem algo muito errado nessa história.

domingo, 13 de novembro de 2011

PAIS E FILHOS



Estátuas e cofres
E paredes pintadas
Ninguém sabe
O que aconteceu...
Ela se jogou da janela
Do quinto andar
Nada é fácil de entender...

Dorme agora
Uuummhum!
É só o vento
Lá fora...

Quero colo!
Vou fugir de casa!
Posso dormir aqui com vocês
Estou com medo, tive um pesadelo
Só vou voltar depois das três...

Meu filho vai ter
Nome de santo
Uummhum!
Quero o nome mais bonito...

É preciso amar as pessoas
Como se não houvesse amanhã
Por que se você parar
Pra pensar
Na verdade não há...

Me diz, por que que o céu é azul
Explica a grande fúria do mundo
São meus filhos
Que tomam conta de mim...
Eu moro com a minha mãe
Mas meu pai vem me visitar
Eu moro na rua
Não tenho ninguém
Eu moro em qualquer lugar...
Já morei em tanta casa
Que nem me lembro mais
Eu moro com os meus pais
Huhuhuhu!...ouh! ouh!...

É preciso amar as pessoas
Como se não houvesse amanhã
Por que se você parar
Pra pensar
Na verdade não há...

Sou uma gota d'água
Sou um grão de areia
Você me diz que seus pais
Não te entendem
Mas você não entende seus pais...
Você culpa seus pais por tudo
Isso é absurdo
São crianças como você
O que você vai ser
Quando você crescer?

O grande Renato Russo numa entrevista falou sobre essa letra, disse que na verdade era uma letra muito triste.
Nos primeiros versos temos o cenário de um suicídio. Uma jovem se jogou da janela do quinto andar e não é fácil entender o porquê, ninguém pode explicar.
Pra quem não sabe, o suicídio é crime, tipificado no artigo 122 do Código Penal. Não é possível punir o autor do suicídio por uma questão óbvia, mas o CP coloca como um dos mais graves delitos (crime contra a vida) o induzimento, a instigação e o auxílio ao suicídio. Induzir é inspirar, é levar a pessoa a ter essa idéia. Instigar é quando já existe a idéia e o outro incentiva e auxiliar é algo mais material, seria comprar o cartucho pro revólver, o veneno, etc. Porque estou falando nisso? Ora, porque diante desse crime “ninguém sabe o que aconteceu”. Sempre é assim, ninguém nunca sabe de nada sobre um crime, já reparou? Mas na própria letra descobrimos quem “induziu” a jovem ao cometimento do suicídio. A resposta está nas duas primeiras linhas: estátuas, cofres e paredes pintadas. Mais que simples cenário, esses são sujeitos do crime. Seu simbolismo é significativo. A estátua é uma peça de escultura, uma obra de arte belíssima, que merece ser admirada. Superficialmente é linda, mas se víssemos dentro da estátua veríamos que ela está longe, muito longe de ser bonita. Tal como a “parede pintada”, que mostra ser falsa, já que só é bonita porque é pintada. Há uma “máscara” disfarçando a sua verdadeira face. E o cofre é o pior dos objetos, porque a impressão é que ele guarda dentro de si algo muito valioso, mas não passa de objetos que só nos fazem esquecer o que verdadeiramente é importante. E sem isso, ele se torna vazio.
Temos já no início da música o tipo de relação que será a base de toda a canção: relações frias, superficiais, sem vida, fingidas, vazias. A relação entre pais e filhos. E essa relação é a base para todas as outras relações que também são frias, superficiais, sem vida, fingidas, vazias.
De tudo o que um ser humano é capaz de fazer, o suicídio é uma das coisas que mais me intriga. O desespero deve ser algo muito forte mesmo, a ponto de eliminar o instinto de sobrevivência da espécie. Mas o que leva uma pessoa ao desespero? Relações assim, como essa que foi descrita. Eu tive uma grande amiga que cometeu suicídio e eu sempre me pergunto onde eu errei como amiga que a levou a isso. Não me sinto culpada. Mas talvez pudesse ter feito algo mais. O suicídio sempre faz quem fica ter culpa. E assim, a música já inicia de forma dramática, tensa, mostrando o vazio das relações que serão ali descritas.
Na segunda estrofe tem um “dorme agora, é só o vento lá fora”. Pode haver duas interpretações. Primeiro, após o suicídio, um pai/mãe diz ao filho que aquilo não é nada, é normal, que as coisas são assim. Poderia ser um “volta pra cama, me deixa em paz, ela só se matou”. Claro, o autor escreve isso de forma irônica. O suicídio de um ser humano é um problema social sério, que precisa ser encarado frente a frente e não tapando o sol com a peneira. Mas eu prefiro uma outra interpretação, que seria o início da relação descrita nos primeiros versos. Toda criança já teve medo de alguma forma. Algumas tem medo do escuro, outras de monstro no armário, outras de ficar sozinha. E que criança nunca acordou os pais com medo?  E quantas não receberam um “dorme agora, é só o vento, não tem nenhum monstro”. Aí, os pais desvalorizam o sentimento da criança, que está com medo e precisa de proteção, mas que só recebe um “não é nada, me deixa em paz”. Os pais não entendem o medo que isso causa nos filhos. E então inicia a relação superficial que vai movê-la pelo resto da sua vida.
As relações superficiais continuam na terceira estrofe. São frases comuns de filhos pra pais “Quero colo” “Vou fugir de casa” etc, etc. Que filho nunca disse isso pro pai ou ao menos pensou em dizer? Há uma mescla aí entre frases infantis e frases de adolescente. Eu gosto da última “só vou voltar depois das três”. Mostra o fracasso da relação entre pais e filhos. Quem deveria determinar a hora do retorno é o pai, e não o filho. Isso mostra a perda do respeito do adolescente em relação aos pais. Aqui, a relação chegou num ponto limite.
Nos versos seguintes temos pais pensando o nome do filho. Eles “querem” o nome mais bonito. Eu não penso que aqui haja uma prova de amor, de pais que se preocupam com os filhos, muito pelo contrário. Shakespeare diz, na peça Romeu e Julieta, “o que chamamos rosa, com qualquer outro nome, exalaria o mesmo perfume.” Ou seja, nomes são superficiais, ao contrário do que possa parecer. Desde o início os pais só se preocupam com superficialidades na vida dos filhos, e não com o que é verdadeiramente importante. Desde antes da criança nascer é assim. E os filhos nunca tem opção de escolha nesse assunto.
O refrão vou comentar ao final.
Chegou um trecho interessante. Filhos e pais falando sobre a relação. “Me diz porque que o céu é azul? Me explica a grande fúria do mundo.” Dois dos maiores problemas filosóficos da humanidade. Primeiro, questões naturais. A pergunta foi “Por que o céu é azul?” mas poderia ser também“De onde vim?” “Pra onde vou?” Isso nos acompanha desde o início de nossas vidas. Com o tempo, essas questões passam por modificações. “Me explica a grande fúria do mundo”. Aí, é a dimensão política da filosofia. O ser humano busca respostas desde o início, mas não as encontra. Os filhos procuram essas respostas nos pais. Mas é claro que os pais não podem responder essas questões porque também não sabem. Mais uma frustração para os filhos, que não encontram apoio nem respostas.
“São meus filhos que tomam conta de mim” é um trecho engraçado. Esse “tomar conta” pode ser no sentido de “vivo pra meus filhos” ou “sou mais criança que meus filhos”. Ambos são exagerados. Não podemos viver por outros. Isso decepciona, porque as pessoas decepcionam, mesmo que sejam filhos. E um pai tem que ser pai, não pode ser mais criança que a sua criança.
Posteriormente alguém me disse que pode ser um pai já idoso e que depende de seus filhos para sobreviver. Existe a troca, ele deixa de ser o responsável para que seu filho seja responsável por ele.
Depois os filhos falam sobre suas relações. São filhos de pais separados,  crianças de rua, crianças que “se viram”, que não se adaptam a nada, crianças que vivem com os pais. Todos os filhos  tem em comum a superficialidade das relações.
A última estrofe é uma mensagem aos filhos. Me lembro uma discussão no primeiro ano do Ensino Médio com uma colega de turma sobre o fim dessa música. Ela defendia a posição do autor, que deveríamos ser mais compreensivos com os pais e tal. Eu não era nenhuma rebelde sem causa, mas era cheia de opiniões próprias (bem próprias) e respondi pra ela “ora, eu não tenho obrigação nenhuma de entender meus pais. Eles que deveriam me entender. Eu nunca tive 50 anos pra saber como é, mas eles já tiveram minha idade, já passaram pelo que estou passando. Adoro essa música, mas não concordo com o final.” Ela não me respondeu nada.
Eu já discordo hoje do que eu pensava. Acho que o autor é irônico ao falar que nós devemos entender nossos pais e explica o porquê com o final “são crianças como você, o que você vai ser quando você crescer”. Aqui mostra o vazio da relação. Os filhos devem aprender a perdoar os pais porque os pais erram tentando acertar, os pais herdaram as relações vazias dos pais e só sabem isso. É um apelo a que os jovens construam relações baseadas no respeito e dignidade do outro ser humano, que busquem um sentido real, verdadeiro para suas vidas, ao contrário dos pais. Os jovens são agentes de mudança, e se não perdoarem os pais, não entendê-los, vão terminar como eles. Mesmo sendo gotas d’água ou grãos de areia nossa força é imensa e temos de fazer a diferença.
Mas o grande ápice da música é “É preciso amar as pessoas...” e todo o resto dessa estrofe. “É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã.” Todos amam, apesar de parecer que o relacionamento é vazio. Se não ama, não há o que fazer. Mas todos que amam nem sempre conseguem demonstrar. Quer um exemplo simples? O filho convida o pai pra jogar uma partida de videogame, mas o pai se nega, dizendo ter muito trabalho. Não é intenção do pai, mas machuca o filho. Outro exemplo, não escutar a história do filho ou então dizer que é uma história boba. Nossa, como isso dói! Pode ser que seja a melhor das intenções, que o pai não queira ver o filho sendo o palhaço da turma, mas na hora do corte não há nada pior. E por mais que o filho entenda no futuro aquela dor vai durar pra sempre.
Se as pessoas amassem, se vivessem relações baseadas na reciprocidade de carinho e atenção não haveriam suicídios. Ninguém se desesperaria a tal ponto. As pessoas sempre encontrariam um equilíbrio pra tudo em suas vidas. Mas o fato é que deixamos pra amar depois. Pensamos “amanhã eu jogo videogame com meu filho” “amanhã levo meu filho ao cinema” “amanhã faço um café especial pra minha mãe”. Amanhã, depois... Tudo isso é sinônimo de nunca. O amanhã não existe pro amor. Se você deixou algo hoje, deixou pra sempre. Se você perdeu a chance de dizer pro seu amigo que o amava, essa chance não mais retornará. O amanhã não existe. Pode ser que aquela pessoa não mais esteja aqui, amanhã. E um gesto seu poderia ser suficiente pra mantê-la. Quem sabe se a jovem que se jogou do quinto andar tivesse recebido um abraço antes? Será que ela teria se matado?
É simples amar. Não que eu queira ensinar ninguém a fazer isso, longe de mim! Sou uma pobre viajante nesse mundo que também só está aprendendo, mas as vezes são pequenos gestos, como escutar uma pessoa, que mostram o amor pelo próximo. Se interessar por coisas que podem não parecer interessantes. Como o trabalho de uma pessoa. Mesmo que você nem saiba sobre o que ela está falando direito pergunte, se interesse, mostre preocupação. A pessoa vai se sentir amada. Mostrar interesse pelo outro é uma forma de amor muito sincera. Eu falo muito, mas também escuto muito. Há pessoas que me contam tudo, mas sempre que eu tento falar algo sou cortada. Acabo magoada e me afasto da pessoa. Talvez a maioria de nós seja assim e por isso não construímos muitas relações verdadeiras. Precisamos ser mais escutados com nossas dores, mesmo que pareçam bobas. Mas também temos que escutar os outros e mesmo quando não temos resposta oferecer um ombro amigo e nosso abraço silencioso.
Podemos amar também com gentilezas. Elevando a moral dos outros. Talvez seja isso que falte nas relações. Tratar seres humanos como seres humanos, e não objetos ao nosso bel prazer. Nós usamos pessoas. Quando nos interessam são amigas, quando não servem mais jogamos no lixo. Não respeitamos os sentimentos alheios. Muitas vezes nos falam coisas que não era o que queríamos saber e não damos respostas. Não é o ódio o contrário do amor, mas sim a indiferença. Toda vez que há silêncio quando não deveria haver é sinal que há algo errado nesse relacionamento. E quem comete suicídio deve ter passado por muitos momentos de silêncio.
Se amássemos como se não houvesse amanhã, como se hoje fosse a última chance de nossas vidas, iríamos garantir o amanhã, afinal, a maior força do mundo é o amor e é ele, em todas as suas formas, que faz a Terra girar.
Eu poderia ir longe aqui, longe mesmo. Mas acho que já transmiti um pouco o que sinto ao escutar essa canção. Espero que você também agora possa pensá-la de forma diferente, de forma mais profunda. E nunca se esqueça: não deixe de demonstrar pra quem você ama que você o ama. Não tem que dizer. Tem que mostrar. Pode ser a última chance. O amanhã nem sempre vem.  E isso é que é a coisa mais importante: aproveitar o momento pra mostrar que nós amamos.

sábado, 12 de novembro de 2011

Nunca deixe para depois...


   Meu primeiro sonho neste blog é uma história que me causa um tanto de tristeza.
   Quando estive em Maceió no início de 2005 comprei um barquinho de madeira, algo típico da região para a minha madrinha.
   Mas logo quando cheguei em casa tive um problema de saúde e precisei ser internada com urgência. Passei o resto das férias de cama, e não pude entregar o presente. Mas aí, pensava comigo "logo vou visitá-la e entregar, só preciso melhorar".
   De fato, logo  a vi. Mas esqueci o barquinho em casa. Novamente pensei "terei outra chance logo."
   Pouco tempo depois nos mudamos e acabei perdendo o pacote do barquinho no meio de tantas caixas e coisas antigas. E o tempo continuou correndo...
   Muito, muito tempo depois achei o presente. E logo pensei "da próxima vez que eu vir a irmã, vou entregar o barquinho."
   Logo após a Páscoa de 2007, ela me visitou em casa. Conversamos muito. Falamos da faculdade, dos amigos, falei do grupo de jovens que participava, falamos de música, enfim, foi uma tarde maravilhosa. E no meio de tanta euforia por ganhar chocolates e um anel, esqueci de correr até meu quarto e pegar o barquinho que estava devidamente embrulhado num lindo papel de presente.
   A irmã foi embora, mas pensei "ah, na próxima vez eu entrego."
  Um mês depois ela foi para a Itália, e foi diagnosticado um câncer no pâncreas. Eu nunca mais a vi.
   Em junho de 2008 ela faleceu na Itália.
   Não sei dizer o que foi perdê-la. A irmã Madalena foi uma mãe espiritual, uma amiga, uma pessoa que me fez enxergar a vida por outro aspecto. Ela me mostrou que existe algo que torna meus sonhos ainda maiores e mais especiais. Ela me lapidou, e confiou em mim em tantos momentos que não sei o que teria sido sem ela. Até hoje me pergunto do porquê de sua partida, me deixando, de certa maneira, orfã espiritualmente.
  Mas o que mais doeu foi não ter entregue o barquinho. Eu tive tanto tempo pra fazer isso e fui adiando, adiando e de repente, o tempo, que jamais perdoa, me tirou a chance de ver seu sorriso ao vislumbrar uma obra de arte. Eu faria qualquer coisa para ter a chance de lhe entregar aquele barquinho e ver seu sorriso.
  No dia seguinte após a notícia de sua morte fui visitar a Adri, sua fiel companheira, e entreguei o presente. Já não tenho o barquinho comigo e sei que ele está em melhores mãos.
  O que quero dizer com isso é que não deixe pra depois o que você pode dizer agora. Não deixe de falar para alguém que você o ama e quer ficar com ele, mesmo que você leve um fora. Não deixe de falar para um amigo o quanto ele é especial, ainda que ele zoe com a sua cara. Não deixe de dar um abraço nos seus pais, padrinhos e avós ainda que eles não entendam seu jeito. Não deixe de fazer algo porque seu cabelo tá horrível ou você não tem a roupa que gostaria. Oportunidades são únicas na vida e só existe um arrependimento: o de não ter feito.
  Eu precisei sentir na pele essa dor, mas você não precisa. Pegue esse exemplo e leve consigo. Não deixe para amar depois. Não deixe para viver depois. Não deixe para sorrir depois. Ame agora. Viva agora. Sorria agora.
  O tempo é implacável, jamais perdoa. Se você deixar para depois, corre o risco de deixar para sempre...

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Pessoas são como música...

Não vou começar este blog com um texto meu... espero ter tempo para escrever minhas "canções". Vou começar com um texto que eu adoro, um texto que me faz pensar muito...

Lá vai...


Pessoas são como música...
Você já percebeu?
Elas entram na vida da gente e deixam sinais.
Como a sonoridade do vento ao final da tarde.
Como os ataques de guitarras e metais
presentes em cada clarão da manhã.
Olhe a pessoa que está ao seu lado
e você vai descobrir, olhando fundo,
que há uma melodia brilhando no disco do olhar.
Procure escutar.
Pessoas foram compostas para serem ouvidas,
sentidas, compreendidas, interpretadas.
Para tocarem nossas vidas
com a mesma força do instante
em que foram criadas,
para tocarem suas próprias vidas
com essa magia de serem músicas.
E de poderem alçar todos os vôos,
de poderem vibrar com todas as notas,
de poderem cumprir, afinal,
todos os sentidos que a elas
foi dado pelo Compositor.
Pessoas são como você,
com quem temos o prazer de conviver.
Pessoas são músicas,
como você que temos o prazer de ouvir.
Pessoas tem que fazer o sucesso
que lhes desejamos.
Mesmo que não estejam nas paradas.
Mesmo que não toquem no rádio,
APENAS NO CORAÇÃO.

(Desconheço a autoria desse texto)